Obra\Autor e Análise, limitações

A psicanálise e a literatura compartilham a linguagem como ferramenta central, mas diferem nas dinâmicas interpretativas. Enquanto na clínica o paciente pode validar ou refutar uma análise, a literatura não oferece tal interação, deixando a interpretação por conta do leitor/analista. Este texto explora as possibilidades e limitações dessa interação, questionando até onde o olhar psicanalítico pode se estender na interpretação de obras literárias, sem impor reduções que ignoram a riqueza e pluralidade dos textos.

Maria Eduarda Tinos

8/30/20243 min read

Análise e suas Limitações

Assim como a literatura, a psicanálise utiliza-se do recurso da palavra, composta por diversas significações e simbolismos para sua atuação, é nesse ponto: discurso, linguagem e palavra, que articulam-se psicanálise e literatura.

No espaço analítico, é possível concordância ou discordância frente a interpretação analítica, ou seja, o paciente pode corresponder de maneira afirmativa ou negativa da análise de seu discurso, situação essa que não é possível em uma obra literária, tendo em vista que o autor não apresenta a possibilidade de dizer sobre o que foi interpretado.

Diante disso, quais são as possibilidades e limitações de uma interpretação e vinculação da psicanálise com a literatura\arte?

Quando olhamos para a dinâmica da clínica, compreendemos que a demanda por análise vem do paciente, porém no caso da literatura a demanda parte do próprio sujeito que analisa. Logo, não é uma demanda do outro, no caso obra e\ou autor(a), mas sim do próprio analisador. É do analista que parte o desejo de investigação, pois algo nele foi provocado\instigado, por meio da obra, a buscar uma outra significação.

Se a interpretação\ o olhar psicanalítico é limitado, então o que a obra possibilita? A proposta de análise é coerente com as perspectivas literárias?

Como visto, a linguagem\ a palavra apresenta as mais diversas significações, com um sentido fluido e metafórico, promovendo diversas interpretações a depender da leitura realizada. A limitação versa sobre compreender que justamente por essa fluidez , que o analista não busque encontrar o que já foi planejado previamente por ele, impondo as suas expectativas em detrimento das possibilidades de interpretação da obra.

Dessa forma, é possível preservar as diferentes interpretações que advém da produção literária, assim como respeitar a sua pluralidade de sentidos, não submetendo-a a uma crítica reducionista, buscando suprir os desejos de investigação do analista e ignorando a obra e suas vicissitudes.

RIBEIRO, Gustavo Fernandes. Kafka e a psicose: aproximações entre psicanálise e literatura. 2018.

Pois diferentemente do espaço analítico, onde o analisando pode legitimar ou não a interpretação do analista, a obra literária, tampouco seu autor, quase nunca tem a oportunidade de se “defender” de uma interpretação selvagem.

A demanda de análise da obra não é do escritor, tampouco da obra. A demanda é do sujeito que a analisa. Pois neste, o texto provocou algum desconforto, curiosidade, ou seja, o mobilizou a trabalhar com o texto, investiga-lo, a debruçar-se sobre ele e tentar extrair alguma outra significação. Portanto, é importante que, ao lançarmos nosso olhar psicanalítico sobre a obra literária, reconheçamos que este olhar é limitado. A obra literária é soberana.

Inicialmente, é importante considerarmos o espaço da obra: o que essencialmente ela trata e “autoriza” possibilidades de interpretação. é preciso a todo momento considerar: o texto autoriza a interpretação que nos propomos a fazer? (Eco, 2003)

A obra literária é suprema em relação à interpretação que podemos oferecer a respeito dela. Afinal, não se trata de uma dissecção anatômica. Os aspectos simbólicos, metafóricos da linguagem não possuem um sentido único, objetivo, definido. Há diferentes leituras e interpretações. O principal cuidado com a interpretação é o de não lapidar o objeto de estudo no molde previamente planejado, transformado o resultado da interpretação em uma forma que atende às expectativas prévias do estudioso da obra.

O escrito literário pode comportar diversas interpretações e o maior cuidado a ser tomado é respeitar a “irregularidade” e a pluralidade do objeto de estudo, evitando submeter a obra literária a uma crítica reducionista, que atende unicamente aos propósitos de quem a investiga, desrespeitando a verdade da obra (Lima, 2005)